O número de carros estacionados no entorno e o som alto deixam claro que o local abriga uma festa. Dentro da chácara, o ambiente decorado com o tema de Halloween é preenchido por conversas, risadas, bebidas e… sexo. Sim, sexo e exibicionismo sem tabus entre pessoas com diferentes corpos, cores, idades e gêneros. Estamos em uma festa liberal.

Depois de mais de um ano de conversas, o g1 foi autorizado a acompanhar a “Clandestina do Padre”, em Campinas (SP), festa que reúne participantes de diferentes regiões de São Paulo e também de outros estados.

Divulgada em estabelecimentos do meio liberal, como casas de swing no interior e na capital, e principalmente em um grupo de mensagens onde cerca de mil pessoas interagem diariamente, a festa é conhecida por reunir héteros, gays, lésbicas, bissexuais, pansexuais e pessoas cis e trans no mesmo ambiente. A única restrição é quanto à entrada de menores de 18 anos.

“Eu não quero saber de qual partido político você é. Não me interessa. Não me interessa que religião você é, não me interessa o que você curte. Se é feio, preto ou branco”, afirma Wagner Galdini, de 52 anos, organizador que tem o apelido de “padre”, que dá nome à festa.
Vai começar a festa!
O local da festa só é divulgado no dia para os participantes. O relógio marca 22h de sábado, e o clima ainda não “pegou fogo”.

Uma equipe na portaria confere a lista dos participantes, que gastaram cerca de R$ 150 de ingresso. Além da entrada, que dá direito a preservativo e brindes, como copo e sacola com a logo da festa, o visitante deve pagar ou levar comida e bebida.

Com três edições por ano, boa parte dos participantes já se conhece, mas sempre há novatos atraídos pela oferta do sexo liberal.

“Eu vim ver como é que é, se vai ter fervo mesmo. Quero todo mundo transando”, pedia Júlio (nome fictício), de 46 anos, que saiu de Caraguatatuba (SP) para conhecer o “rolê quente”.

A presença de um público acima dos 40 anos, aliás, é marcante. Há pais, mães e avós, casados ou solteiros. Pessoas que vivem na festa uma realidade, e outra bem diferente no dia a dia. Como é o caso de Luciana e Roberto, de Sorocaba, em que a família e os filhos não sabem do estilo de vida liberal que vivem.

“A gente ainda fica muito limitado em questão da própria família, né? Você tem que blindar tudo, a família não sabe de jeito nenhum. Quando a gente participa de uma festa como essa, a gente vive a nossa verdade. E fora desse meio, a gente representa um papel. Porque a gente tem que viver em sociedade, tem que viver em família, e aí a gente não pode revelar essa verdade”, explica Luciana (nome fictício), de Sorocaba.
É perceptível que não há no ambiente preocupação com preferências sexuais, tamanhos de corpos ou de roupas – e até mesmo pela falta delas.

“Eu sou uma mulher trans. Em alguns lugares, não sou bem-quista; em outros, não sou bem-vinda. E aqui não existe bandeira, só existe: ‘chega, vem, aproveita e se divirta'”, destaca Anne Trans, que veio de São Paulo curtir a festa com o marido.

É sexo o tempo todo?
“Ai, eu quero ir na festa liberal, mas como vai ser uma festa liberal? Chegar lá vai estar todo mundo pelado? Todo mundo transando? Não necessariamente, mas é o momento de você se sentir livre”, defende Anne Trans.

A festa segue o lema de que tudo é permitido, mas nada obrigatório. Não há restrição quanto a práticas sexuais em qualquer ambiente da chácara, desde que consensual.

Mas para quem é exibicionista, como é o caso de Luluzinha, de 45 anos, tudo fica melhor sob os olhares de uma plateia.

Após sair de Jaú (SP) e percorrer 210 quilômetros para “ferver” em Campinas, ela encarnou uma “zumbi sexy” e desfilou com maquiagem, roupas rasgadas e partes íntimas à mostra até se despir completamente ao se relacionar com diferentes parceiros na pista de dança.

“Tento vir sempre nua, é a primeira vez que eu vim produzidérrima. Mas chego, cumprimento todo mundo, bebo, tiro umas fotos e aí eu falo: agora eu vou transar”, conta.

Madrugada quente
Com o avançar das horas pela madrugada, a intensidade e o erotismo escalam.

A festa estimula a interação dos participantes com brincadeiras apimentadas na pista de dança, com homens e mulheres se revezando em cenas de sexo oral para serem julgados – algumas vezes às cegas – por suas performances.

Em uma delas, o chamado pelo microfone pede por homens voluntários, que rapidamente preenchem a fila de cadeiras. Da mesma forma, há mulheres cis e trans à espera da ação, sob os olhares de um público ávido por sexo.

Espaço para barracas
Como a festa acontece sempre na noite de sábado e dura até a tarde do domingo, é comum que os participantes levem barracas – usadas tanto para momentos de descanso quanto para o sexo.

Por isso, a busca da organização é sempre por chácaras que comportem, também, essa estrutura.

“A gente comprou a barraca depois da primeira vez na festa. Vimos que o pessoal trazia, e era um caminho sem volta (risos). A gente investiu, e agora trazemos ela para curtir até o último instante”, avisa Luciana.

Ao lado do companheiro, Mel, de 46 anos, moradora de Sumaré (SP), exibia uma barraca tamanho família, com direito a colchão de casal e luzes de LED.

“Conheci a festa por um amigo, gostei e fiquei. Tem muita coisa legal, mas o melhor é conhecer o pessoal, porque tem um grupo que a gente só fala pela internet, e a festa serve desse momento de interação. Claro, todo mundo sabe o que rola aqui, mas é mais que isso”, afirma.

‘Vamos nos permitir’
Ao lado da esposa, Roberto, de Sorocaba, recorre ao trecho da música “Tempos Modernos”, de Lulu Santos, para falar da liberdade que sente na festa liberal.

“‘Vamos viver tudo o que há pra viver, vamos nos permitir’. A palavra é liberdade, sem precisar se preocupar. Fazer o que você curtir, viver o que você quer viver, respeitando os limites de todo mundo”, diz.

O casal que entrou em uma brincadeira apimentada na pista de dança, enfatizou que nem sempre rola sexo com eles nas festas, mas que isso é um detalhe.

“A gente gosta de pessoas, independente do sexo, da opção sexual, da orientação sexual, e nesse meio a gente consegue realmente curtir as pessoas. Tem aquelas que vão para o sexo, mas pra gente é um detalhe, muitas vezes não rola nada. Mas a gente volta feliz pra caramba”, completa Roberto.

Quem também estava em casal na festa era Lander Ricardo de Souza, de 51 anos. Ele que veio de São Paulo com a companheira, e ainda passou em Brangança Paulista (SP) para dar carona a uma amiga, tinha como meta aproveitar ao máximo antes de “voltar para o mundo normal”.

“A gente vai ficar o máximo que a gente aguentar aqui. Depois a gente vai embora, porque segunda começa a vida normal, né? A vida de balada acaba na segunda-feira, tem que voltar para a realidade”, brinca.
‘Já me relacionei com uns 400’
O participante que saiu de Caraguatatuba (SP) e percorreu 280 quilômetros para participar da festa no interior de SP pela primeira vez contou que é experiente no meio liberal. Segundo Júlio, ele costuma sair com casais na região onde mora. “Já me relacionei com uns 400”, avisa.

Apesar da vida sexual ativa, revelou que sente preconceito nas festas no Litoral e no Vale do Paraíba por ser um homem preto.

“Lá no Vale (do Paraíba) e no Litoral (Norte) tem um preconceito do pessoal, não curte muito preto. Vamos falar, é mais CRS padrão: loiro, alto e bonito”, diz, referindo-se a uma comunidade exclusiva, em que membros são incluídos apenas por convite, e que reúne casais e solteiros que buscam por pares no mundo liberal.

Na esteira da diversidade, a festa defende a inclusão de pessoas com deficiência, que têm entrada gratuita.

Morador da região de Campinas, Arnaldo (nome fictício), de 33 anos, explica que usa cadeira de rodas desde um acidente sofrido na juventude, e conheceu a festa de Campinas por meio de um grupo de mensagens.

“Postaram a informação da festa e eu fiquei curioso pra saber. Há dois anos que conheço. Independente de ter deficiência ou não, orientação sexual, todo mundo se respeita, tem amizade em primeiro lugar. O que tiver que acontecer, acontece depois, aqui na festa ou fora”, diz.

Via G1